segunda-feira, 30 de julho de 2007

Crônica Expectativa

Expectativa
por Claudia Letti

Então parece que a expectativa é o que nos faz levantar todas as manhãs, que nos impede de fraquejar, que nos anima na hora de dormir, porque afinal, amanhã é sempre um novo dia. Expectativa é tão bom quanto bala de menta, vai abrindo espaço no paladar mas a sensação é de que está abrindo a respiração que vem lá do fundo do peito. Expectativa é assim, gelada. Às vezes naquele frio na boca do estômago, outras, em um suor frio e juvenil. Quem não tem expectativa acha que a vida não lhe deve coisa alguma. Quem a tem, sabe que se está vivo, aqui e agora, algum significado há de ter e, por favor, que seja de felicidade.
A expectativa é aquilo que você acha que vai acontecer enquanto finge que lê a revista na sala de espera. Ela é irmã da esperança e amiga íntima dos nossos mais escondidos desejos. Ela é responsável pela continuidade daquela caminhada, pela possibilidade de ouvir um sim, pela idéia de que tudo vai mudar através daquela palavra que você acha que vai ouvir e daquele desfecho que você pensa que pode acontecer. Não porque você foi a escolhida para receber sinais, ou porque um anjo sussurrou no seu ouvido, mas porque a gente só espera verdadeiramente por aquilo que quer, nem sempre por aquilo que é.
Mas então, um dia, como uma puxada de tapete, como a queda de um véu - nem sempre com pesar, é verdade, às vezes até com um certo alívio -, você acorda e percebe que precisa de mais. Precisa colocar ponto e vírgula no lugar das entrelinhas, frases inteiras onde só havia palavras soltas, letras grandes no lugar das miúdas, números exatos ao invés de meras estatísticas. Você precisa de clareza.
Você percebe então, que a expectativa sem perspectiva é nada.Não que o sonho esteja morto ou que o desejo esteja adormecido, nada disso. Mas você precisa de uma espécie de planilha, de esboço, de croqui - como aqueles projetos tão bem desenhados pelos arquitetos - a mostrar que o desejo tem dimensão e o sonho é largo. É concreto mesmo que seja de madeira - a sustentação de um sonho ou de um desejo não está no material mas na maneira como é construído. E é imprescindível que tenha paredes, sim. Porque um dia a gente precisa saber que a perspectiva, diferente da expectativa, tem um jeito de começar. E há de ter um limite prá não se sofrer de imensidão.


Esta e outras crônicas da autora fazem parte do livro "Onde Não se Responde", Claudia Letti - www.letti.com.br/afrodite/livro/ Editora Arte Clara

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